por Alexandra Forbes
Estou cho-ca-da!
Li agora no OJE, português, que "mais uma vez, o mundo da gastronomia está envolto em polémica e incertezas: o chefe José Avillez, inesperadamente, sai do Tavares, o único restaurante em Lisboa que actualmente detém uma estrela Michelin".
Palavra do jornalista Vicente Themudo de Castro.
Mesma notícia deu a revista portuga Inter Magazine em seu Facebook:
José Avillez sai do Restaurante Tavares em Lisboa. Aguarda-de a qualquer altura comunicado a oficializar a saída da mais jovem estrela Michelin em Português.
Estive com Avillez na cozinha do El Bulli em setembro, onde ele estava passando uma semana observando tudo, a convite da "chefia", e não pude adivinhar que havia algo de errado entre ele e o restaurante Tavares. Aliás, na manhã seguinte, em curto papo com ele em Roses (nos esbarramos na praia, acreditam?!), tive a impressão oposta, de que ele tentava comprar o Tavares dos sócios-investidores.
E agora, isto?! Azar dos tais investidores, que tinham na mão o maior trunfo que poderiam querer.
Esse menino vale ouro, e se não acreditam em mim, saibam que sr. Ferran Adrià pensa exatamente o mesmo. Estou doida para descobrir o que houve e para onde ele vai. Assim que descobrir, conto a vocês neste espaço!
Restaurante Tavares
E a seguir, um repeteco de relato sobre meu jantar no Tavares, em abril passado:
Comemos e bebemos a fartar, a começar por uns belos amuse bouches como o robalo com vieira e lingueirão servidos em um falso seixo do mar feito por uma ceramista amiga dele:
Não sei se vocês se lembram, mas contei aqui que Avillez, do alto de seus 30 anos, é oenfant terrible da gastronomia portuguesa, já conquistou estrela Michelin e provoca arroubos de admiração ou desdém (que alguns chamariam de inveja…) mas jamais passa desapercebido. Menino polêmico mas de grande talento.
Serviu-nos seu atual menu degustação, de nome inspirador: Menu Desassossego. E não por acaso. Do livro homônimo de Fernando Pessoa pode se pinçar várias frases que parecem escritas para e sobre o próprio Avillez:
“Não pertencera nunca a uma multidão. Dera-se com ele o curioso fenômeno que com tantos – quem sabe, vendo bem, se com todos? – se dá, de as circunstâncias ocasionais da sua vida se terem talhado à imagem e semelhança da direção dos seus instintos, de inércia todos, e de afastamento.
Nunca teve de se defrontar com as exigências do estado ou da sociedade. Às próprias exigências dos seus instintos ele se furtou.”
E seus instintos, até aqui, têm lhe levado longe. Abre o menu desassossego uma bela “paisagem” disposta sobre vidro com grande minúcia. Debaixo do vidro, algas e gelo seco. Cada marisco e fruto do mar cozido separadamente, por meros segundos, servidos no auge do frescor, formando um todo de imensa delicadeza, uns poucos salicórnios (“aspargos do mar”) para dar um crunch. A maçã verde traz o necessário toque ácido. Um porém: talvez dispensasse a água de côco texturizada que coroa o conjunto – não consigo ver o link entre côco e Cascais, acho que destoa.
Cascais à beira mar, amêijoas, berbigão, mexilhão,
gamba da costa e santola com sumo de maçã verde,
algas e merengue de limão
Comi pela segunda vez um prato que já na primeira não me apetecera. Ele segue remando contra a corrente e as críticas negativas (não só minhas) e servindo a tal…
Miragem de ostras “petrificadas” no deserto,
creme de funcho com caril de madras,
rebentos, plantas e algas
Petrificada, não é. Mas a pobre ostra chega à mesa em sarcófago quebradiço dourado, depois de um pulo em nitrogênio líquido e outro em manteiga de cacau. Some-se a isso curry e algas e…. nem preciso dizer que não funciona.
Outro repeteco de prato servido em Montreal foi este:
A horta da “Galinha dos Ovos de Ouro”,
ovo cozido a baixa temperatura
com aromas de terra
Ovo, trufa, migalhas de pão…. alguma vez a combinação deu errado? Aqui, os finos cabelinhos de alho-poró e cogumelos trazem complexidade ao untuoso conjunto. As migalhas são fritas, ultra-crocantes. E o ovo, linda esfera dourada e bem mole por dentro.
A cozinha poética de Avillez parece caminhar a passo firme rumo a composições comestíveis de paisagens que lhe dizem algo íntimo. Nas palavras de Fernando Pessoa:
Paisagens… Recordações,
Porque até o que se vê
Com primeiras impressões
Algures foi o que é,
No ciclo das sensações.
Querem prova? Eis outra paisagem avilleziana:
Prado Açoreano, mãozinhas de vitela
branca com espargos e trufa de Périgord
Só de pensar em um vasto prado nos Açores, já sonho com a beleza rústica daquilo. Outro prato bem concebido e cheio de nuances, onde eu apenas mudaria o manto verde gelatinoso que encobria o resto.
E em seguida, mais uma paisagem, algo sensual, que me esqueci de fotografar:
Na praia numa fogueira, salmonete assado com migas de choco com tinta e molho dos fígados
Já começava a perder a atenção quando chegou um prato para, de um só golpe, me levar a passear pelo Portugal profundo, sabores da terrinha sem grandes malabarismos. Carne, verdura, alho, doce, salgado, amargo. Muito bom. Tanto que só fui tirar foto a meio caminho…
Cabritinho da Serra da Estrela em duas cozeduras,
puré de beterraba e alho, grelos salteados
e crosta de pão com ervas e laranja
Aí era partir pro abraço: não havia como não se deleitar com isto aqui:
Serra da estrela, queijo, banana e marmelada
E encerramos com chave de ouro: cubinhos de marmelada, sorvete, enfim: miniaturinhas diversas que àquela altura da noite e de vinhos já não discernia tão bem, se me permitem a sinceridade:
O mistério da queijada de Sintra
Estava tudo perfeito? Não. Acho, principalmente, que um restaurante belo daquele jeito, servindo comida nesse nível de sofisticação mereceria um serviço melhor – eu mal ouvia as explicações da tímida garçonete. Acho também, como já disse antes, que Avillez será mais chef quando seu estilo pessoal estiver mais destilado – ainda noto muitos ecos tecno-espanhois em seus pratos.
Mas se me perguntarem se gostei do Tavares, a resposta, apesar das imperfeições, é um veemente SIM! Podem apostar que este menino ainda vai dar o que falar…
Tavares: rua da Misericórdia, 35, tel. 351 342-1112