Rotina de mansidão pelos canais da França no timão de uma pénichette.

por Antonella Kann

Quer deixar todo mundo babando? Comece contando que vai fazer um cruzeiro na França. Mas não é destes que todo mundo faz, não. E’ um cruzeiro fluvial. Trata-se de deslizar preguiçosamente por canais navegáveis durante uma semana numa casa flutuante com um quintal sem limites e ainda por cima pilotando (isso mesmo, é o próprio turista quem fica atrás do timão) a sua própria pénichette.


Mas antes de descrever esta embarcação, é fundamental acrescentar que o programa não sai caro e dá para levar a família inteira, até o bebê de um ano. E ainda dá pra aproveitar os descontos que as companhias dão nesta época do ano, quando a temperatura já está bem mais baixa, não é época de férias escolares e portanto pouca gente foge do trabalho. Tudo de bom: o canal fica sendo praticamente só seu e o tempo ainda está pra lá de gostoso.


A pénichette, cuja palavra não existe em português, é um diminutivo da péniche, aquelas imensas embarcações comerciais que trafegam até hoje nos canais europeus, transportando cargas. As versões miniaturizadas destas matronas fluviais são projetadas para o lazer, viraram até marca e sua expansão floresceu a partir dos anos 80 devido à grande procura pela navegação fluvial cujo simples propósito era fazer turismo. Embora seja possível ultrapassar as fronteiras e estender o passeio até a Bélgica, a Alemanha, a Holanda ou a Suíça, onde também são amplas as vias navegáveis, é na França que se concentra o maior número de opções de roteiros.


Não parece, mas é mais fácil pilotar uma pénichette do que pedalar. De tão simples que é o manuseio, as companhias locadoras especializadas em turismo fluvial sequer exigem qualquer habilitação ou experiencia prévia dos turistas. Apenas na hora da saída fazem uma demonstração prática ensinando aos neófitos como proceder nas eclusas, uma manobra simples, mas que é parte integrante da vida de um canal ou de um rio canalizado.



E ’ a eclusa que permite a subida e descida de embarcações por trechos onde há uma diferença do nível do leito. De qualquer forma, para tranqüilizar os mais inseguros, em cada eclusa há um responsável permanente que atende pelo nome de éclusier, personagem local cheio de histórias para contar e sempre disposto a ajudar turistas em apuros.



As pénichettes são fabricadas em diversos tamanhos, com capacidade para acomodar de cinco até doze pessoas e todos os barcos possuem cabines individuais, calefação, sala de estar, cozinha equipada e banheiro com chuveiro de água quente, garantindo privacidade e conforto. Deslizando a menos de 10km/hora por uma extensa rede de canais navegáveis, a vida a bordo de uma pénichette deslizando sobre as águas preguiçosas de um canal em nada se assemelha a outro tipo de navegação, exceto que sempre há alguma tarefa a ser cumprida dentro da embarcação, pois não deixa de ser um lar flutuante se comparado à rotina caseira: além das paradas nos sitos históricos e visitas aos pontos turísticos, cozinha-se, arruma-se e limpa-se. Sendo assim, conte com idas diárias à boulangerie (padaria) para comprar baguette e croissants fresquinhos.



Um dos roteiros mais procurados na França é o Canal do Midi, que faz a ligação entre o Mediterrâneo e o oceano Atlântico. Idealizado para fazer esta travessia sem passar pela Espanha, o canal foi inaugurado em 1681 e desde 1996 pertence ao Patrimônio Mundial da Humanidade. Ao longo dos 500 quilômetros de extensão que ligam Sète a Bordeaux, o canal é a prova concreta de um domínio hidráulico perfeito, ao longo do qual se encontram cerca de 350 obras de arte entre pontes seculares, eclusas e aquedutos, muitos que sequer sofreram qualquer modificação desde a sua origem.



A maioria do tempo não é preciso se preocupar com absolutamente nada, a não ser tomar sol no deck e admirar a paisagem com um copo de vinho na mão. Além do mais, vale a diversão de tripular seu próprio barco, levando família ou amigos, e seguir o itinerário escolhido dentro do seu ritmo e com toda a liberdade para parar e explorar os arredores.

A operação da eclusa é simples e rápida. Além disso, divertida.